terça-feira, 25 de novembro de 2014

Cinema - Boyhood (2014) - 9/10


Não se pode falar do filme Boyhood (2014) - ou "Momentos de Uma Vida" como foi intitulado em português - sem falar do aspeto que o tornou notícia: o crescimento do protagonista Mason é também o crescimento do ator Ellar Coltrane. Este é um filme que demorou doze anos a fazer, sendo cada segmento - cada ano das personagens - gravado num verão diferente desde 2001.

Este é o facto-notícia incontornável de Boyhood. Bastaria isto para que o filme fizesse história. Mas Richard Linklater não se fica por aí e traz-nos uma película que pauta pela crueza da realidade. Não há plot twists, não há um clímax, não há grandes eventos, como também não seria de esperar - Linklater tem um jeito especial para prender o espetador sem precisar de uma grande história, são as personagens e os diálogos que brilham (veja-se a trilogia Before). Há quem tenha dito que não acontece nada ao longo do filme. Mas, em retrospetiva, a vida também é assim. No fundo, não acontece nada de extraordinário. Mas não é por isso que os pequenos momentos do dia-a-dia deixam de ser importantes.

Assim, o filme é exatamente aquilo que promete - o retrato fiel do crescimento de um rapaz.

 


Antes de mais, Boyhood começa por nos embrenhar. Para qualquer um que tenha crescido ao mesmo tempo que Ellar Coltrane, o filme traz um sentimento de saudosismo e nostalgia. São inúmeras as referências à pop-culture que nos permitem situar no tempo. E estes detalhes passam pela manta de Dragon Ball, pela irmã a cantar High School Musical ou pelo evento de lançamento do mais recente Harry Potter. Os pormenores levam-nos a crer que Mason é uma criança real e não um produto ficcionado.

Daí partimos para situações banais do dia-a-dia com as quais todos estamos familiarizados e às quais não conseguimos deixar de responder com um "engraçado, isto é mesmo assim". Para isto, beneficia muito do elemento visual. Temos, por exemplo, uma cena em que a mãe (Patricia Arquette) chega a casa e de repente se vê assoberbada pela excitação dos filhos que lhe tentam mostrar os presentes que o pai (Ethan Hawke) lhes ofereceu. Também o espetador experimenta uma sensação de vertigem quando os brinquedos enchem o ecrã, como se também ele não conseguisse encontrar o chão e lidar com tamanho alvoroço. 

Quando já estamos tão dentro do filme que já quase não questionamos a veracidade da história - o que só é intensificado pelo facto de assistirmos ao crescimento e envelhecimento das personagens - Linklater lança-nos temas mais dramáticos. Divórcio, a ausência do pai, alcoolismo, violência doméstica, entre outros. E Boyhood mostra-nos isto tudo sempre de passagem e sem grande aprofundamento, quase como se fossem também coisas banais de todos os dias e com as quais não vale a pena perder muito tempo. São pontos da vida. Da de Mason, pelo menos. E é sempre pelos olhos dele que assistimos a todos estes eventos. É pelos olhos de uma criança que vemos a mãe a namoriscar um novo homem ou que a encontramos no chão da garagem a chorar depois de lhe terem batido. Experienciamos a mesma confusão e impotência de Mason, que apesar de estar atento a tudo ainda não compreende a dimensão dos problemas. E mesmo quando compreende não há muito que possa fazer.

Entretanto Mason cresce. E, à semelhança da trilogia Before, o filme começa a destacar-se pelo diálogo. Até aí é quase intuitivo. Mason é uma criança que não fala muito mas não é por isso que não percebemos o que pensa ou sente. Mais uma vez, a parte visual e os pequenos detalhes são muito importantes. À medida que entra na adolescência o filme ganha muito sobretudo com os diálogos com o pai. E levantam-se outras questões, agora já quase com um caráter filosófico. Deparamo-nos com um confronto entre a forma como cada um dos pais encara a vida. Para a mãe, quando Mason sai de casa para ir para a universidade, já não há nada pelo que esperar. Cada dia será apenas uma repetição do anterior. "Pensei que houvesse mais", chega a confidenciar. Quase que nos lembra a personagem de Joaquin Phoenix no Her quando nos diz que acha que já sentiu e viveu tudo o que tinha para viver. Mas para a personagem de Hawke, há ainda muito para descobrir e conhecer. E é esta linha de pensamento que tenta passar ao filho.





O filme termina com mais um não-acontecimento do dia-a-dia, já com um Mason e um Ellar Coltrane quase adulto. Deixamo-lo quase a meio de uma frase, de um momento, da vida. E custa. Queremos saber mais, queremos continuar a acompanhá-lo. Mas - depois de o ver crescer durante doze anos condensados em 165 minutos - sabemos que temos de o deixar sair do ninho. E acabamos por nos separar com um sentimento de dever cumprido e com a sensação de que vai ficar tudo bem. O miúdo vai-se safar.


"Everything? What's the point? I mean, I sure as shit don't know. Neither does anybody else, okay? We're all just winging it, you know? The good news is you're feeling stuff. And you've got to hold on to that."

Realização.: Richard Linklater / Interpretação.: Ellar Coltrane, Ethan Hawke, Patricia Arquette, Lorelei Linklater.


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