Doug Stanhope – Deadbeat Hero
“Complaining
that a comic is drunk is like going to a titty bar and complaining because your
lapdancer is a communist.”
Tracemos a cronologia do stand-up
comedy americano de contracultura (o que realmente interessa,
portanto): nos anos 50 e 60, Lenny Bruce pavimentava o caminho a ser percorrido
pelos seus sucessores com as suas tiradas antiautoritárias de uma obscenidade
sem precedente para a altura; nos anos 70, surgem Richard Pryor, com o seu
olhar incisivo e comentário mordaz acerca do racismo e diversas questões
sociais, e George Carlin, inicialmente mais focado em questões de linguística e
de humor observacional, mas que, à medida que foi envelhecendo, se tornou no
primeiro grande mestre da comédia misantrópica e do humor negro; a Carlin
sucede Bill Hicks (como se da Sagrada Escritura da comédia se tratasse), que
apregoa ideais semelhantes aos do seu antecessor, contudo, tentando veicular
uma mensagem de união, uma insistência para o fim das “merdices” da Humanidade.
Levou-o o cancro, por azar, e o stand-up perdeu o seu Messias.
Eis que surge, ao virar do milénio, vindo
das mais profundas entranhas da Terra, Lúcifer em pessoa: Doug Stanhope. A par
de Louis C.K., os heróis de que a comédia hard-hitting e bem
ofensiva necessitam. Há, contudo, que estabelecer uma diferença fulcral entre
ambos: Louie é um gajo marado dos cornos, inteligente, engraçado e muito
ofensivo. Stanhope é um “Darth Sidious” embriagado em palco. Desprovido de
moralidade, consciência, amor-próprio ou qualquer espécie de decência, armado
apenas com umas quantas garrafas de cerveja, um maço de Marlboro
Lights e todo o ódio e nonchalance deste mundo
condensados num físico baixo e atarracado, Stanhope faz a audiência
questionar-se: “o que é sagrado, afinal?!”. Neste espectáculo, nada. Stanhope é
sempre o mesmo ser repleto de ódio, mas em “Deadbeat Hero” quebra todos os
limites do bom senso e daquilo que uma pessoa deve ouvir, quanto mais dizer, no
seu próprio caso.
Difícil de acreditar? Este é o gajo que
imagina um ataque terrorista a uma loja Subway que consiste na
sua própria mãe, coberta de explosivos, a implodir em frente a um empregado
incompetente, sem sequer causar qualquer espécie de destruição, simplesmente
derretendo on the spot para traumatizar o jovem trabalhador.
Este é o gajo que profere as palavras “I need a fourty-four-holed,
two-headed baby girl, that’s the only way I can cum” ao referir-se a
crianças que nascem com mutações, e imaginando-se, naturalmente, a receber oral
de uma jovem de duas cabeças, sendo a cabeça de baixo que faria o servicinho a
normal, e a cabeça de cima simplesmente olhá-lo-ia nos olhos, perguntando “Huuuuuuuurr,
do you like my sister?!”. Este é o gajo que expõe, perante um público de
bêbados a ele semelhantes, a sua experiência de um aborto juntamente com a sua
mulher, não realizado por motivos frívolos como a incapacidade monetária para
cuidar de uma criança, diz ele, mas sim porque “sempre quis saber como seria
matar um bebé”.
Tudo isto, contudo, mescla-se com a visão
libertária de Stanhope ao longo do espectáculo, a qual, embora não
particularmente intelectualizada e muito vaga para ser tida em conta como uma
posição política verdadeiramente clara, nos é possível apreciar de qualquer das
maneiras por ser um apelo marcadamente liberal (a sua atitude pró-legalização
das drogas, do aborto, o seu antimilitarismo óbvio e o seu antiteísmo
recorrente). O próprio diz não ser nenhum intelectual, muito menos um artista;
é, diria eu, simplesmente um tipo lunático do qual se torna impossível não
gostar, se tivermos uma predisposição para a comédia sem fronteiras ou linhas
por pisar.
Sem a visão aprofundada de Carlin sobre o
mundo, sem a posição conciliadora (bem esmiuçada) de Hicks, mas com uma
completa falta de decência e uma imaginação mais fértil do que algum comediante
alguma vez demonstrou para chegar a conclusões que, se nada mais, são
absolutamente inclassificáveis, Stanhope demonstra ser a verdadeira reencarnação
do Mal que o stand-up comedy tão desesperadamente necessitava.
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